28/09/2018

10 anos da crise dos derivativos cambiais: o que o mercado brasileiro aprendeu


Dia 15 de setembro de 2008: a data da quebra do Banco de investimentos Lehman Brothers é tida como o marco da crise econômico-financeira que alcançou o mundo todo. No Brasil, além das consequências comercias seguidas à retração das principais economias globais, no mercado financeiro um efeito colateral foi a chamada “Crise dos Derivativos Cambiais”. Passados dez anos deste evento, cabe uma avaliação do que mudou de lá para cá.

No momento mais volátil pré-eleição de 2002, o dólar chegou a atingir o nível de R$ 4. Dali em diante, até o mês de agosto de 2008, salvo breves momentos, a trajetória da moeda norte-americana foi de constante queda, chegando a atingir o nível de R$ 1,56 em agosto de 2008. Para os exportadores, em especial, este movimento foi dramático, pois na prática significou menos reais a receber nas operações comerciais.

Boa parte das empresas brasileiras, para não ficarem expostas à variação cambial, realizam operações de hedge para travar seus recebíveis em reais através de operações conhecidas como forward (ou termo de moeda). As taxas futuras (forwards) são as taxas do dólar à vista acrescida do diferencial de juros entre reais e dólares.

Em um contrato forward tradicional o vendedor (exportador) trava uma taxa futura de dólar de venda a R$ 1,60. Caso o dólar no vencimento se situe em um patamar superior a este nível, o vendedor recebe a diferença desta taxa para o forward (por exemplo, se o dólar no vencimento valer R$ 1,50, o exportador recebe R$ 0,10 para cada dólar do montante da operação). Por outro lado, se o dólar no vencimento valer R$ 1,70, o vendedor paga R$ 0,10 para cada dólar na operação. Descontados os efeitos tributários, o efeito desta operação é travar a exportação à taxa de R$ 1,60 para cada dólar.

Com a desvalorização contínua do dólar, começaram a surgir estruturas que permitiam às empresas obter uma taxa futura “turbinada”. Desta forma, ao invés de uma taxa futura de dólar para 60 dias de R$ 1,60, a empresa conseguia vender o dólar a uma taxa de, digamos, R$ 1,75. Mas havia contrapartidas para isto: a primeira é que era necessário fechar um fluxo de vendas de dólares (por exemplo um fluxo mensal pelo período de um ano). A outra era que, em caso de ajuste contrário ao exportador (taxa do dólar no vencimento superior à taxa forward), o ajuste era pago com um grau de alavancagem – por exemplo duas vezes (no exemplo anterior, o vendedor pagaria R$ 0,20 ao invés de R$ 0,10 em caso de ajuste negativo). Estas operações ficaram conhecidas como TARFs ou TARNs, sendo casos emblemáticos de utilização a Aracruz e a Sadia.

Em um cenário de alta do dólar, o ajuste alavancado do derivativo deveria ser compensado pela exportação. Esta é uma linha tênue que, se ultrapassada, transforma uma operação de hedge em especulativa. Em alguns casos houve uma desproporcionalidade entre o volume de operações de derivativo (venda de forwards) e a exportação da empresa, o que caracteriza a especulação, em outros simplesmente as exportações previstas não ocorreram por conta da diminuição da demanda originada pela crise global. Também houve casos em que ambas as situações ocorreram simultaneamente.

De lá para cá, reguladores e instituições tomaram medidas para evitar que a situação se repetisse. Entre elas, destacam-se três pilares:

  1. Obrigatoriedade da divulgação das informações de derivativos pelas empresas: a Instrução 475 da CVM obrigou a apresentação, em nota explicativa, das informações de operações de derivativos e um quadro demonstrativo de análise de sensibilidade destas operações. Desta maneira, fica bem mais fácil identificar qualquer descasamento significativo entre os derivativos contratados para hedge e as exposições que originaram tais contratações;
  2. Central de Exposição em Derivativos (CED): um dos problemas identificados quando da crise de 2008 é que não havia a possibilidade de avaliar a relação entre a exposição da empresa e o volume de derivativos contratados. A criação da CED teve como objetivo possibilitar aos bancos, com autorização das empresas e com base em dados fornecidas pelas Câmaras de Registro, ter acesso ao volume de derivativos contratados pelas empresas no mercado. A medida permite evitar que bancos contratem novas operações de derivativos com as empresas que tenham volumes incompatíveis com suas atividades, comerciais ou não;
  3. Transparência no registro de operações de derivativos: desde o surgimento das operações de derivativos no mercado balcão no Brasil (1994) é obrigatório o registro em câmaras autorizadas pelos reguladores locais, modelo que passou a ser copiado internacionalmente após a crise de 2008. No entanto, com o desenvolver do mercado no Brasil, os sistemas de registros das câmaras não refletiam adequadamente operações mais exóticas de derivativos, o que dificultou à época a identificação dos referidos problemas por órgão reguladores. Desde lá este processo evoluiu significativamente no Brasil e operações mais exóticas ou “taylor made” passam por processos diferenciados na aprovação das operações na câmara de registro da B3, com total transparência da estrutura, não só para a câmara, mas consequentemente para Banco Central e CVM, permitindo antecipar alguma tendência de uso inadequado destes instrumentos.

Além destes três pilares, os bancos também adotaram processos mais robustos de aprovação de produtos e de linhas de crédito para operações de derivativos, e as empresas tem evoluído continuamente no entendimento e adoção das políticas de hedge.

Não obstante, é importante observar que o uso de derivativos como parte da política de gestão de risco das empresas é ferramenta essencial da saúde financeira. Não possuir uma política de hedge é extremamente danoso e perigoso, havendo vários casos de empresas que não sobreviveram ao tempo por não fazerem adequadamente a gestão dos riscos de mercado a que estavam expostas.

Fábio Zenaro é diretor de Produtos de Balcão, Commodities e Novos Negócios da B3

*O artigo foi publicado no Valor Econômico em 25/09/2018.