06/05/2020

Posições vendidas no mercado de ações


A elevada volatilidade dos mercados verificada ultimamente despertou uma discussão sobre o impacto das posições vendidas no mercado de ações, o chamado short selling.

É importante destacar que a estrutura de mercado para esse tipo de estratégia no Brasil, que inclui a regulação e as regras da B3, é muito mais robusta do que a de outros países – o que protege o processo de formação de preços de nossas ações e garante a solidez do nosso mercado. Esta estrutura existe há muitos anos e foi testada com sucesso em diversas crises. Aqui existem, por exemplo, limites para o tamanho de posições de investidores individuais, de grupos de investidores e do mercado como um todo. Tais limites restringem as influências vendedora no preço da ação no momento da montagem da posição vendida e compradora na desmontagem (short squeeze).

 

Como se monta e desmonta uma posição vendida?

A montagem da estratégia requer as seguintes operações:

  • Primeiro o investidor toma a ação emprestada (tomador) de outro investidor (doador) através de um contrato de empréstimo. Este contrato determina que o tomador tem a obrigação de devolvê-la dentro de um determinado prazo e deve pagar juros ao doador pelo empréstimo da ação. Como esta operação é, na verdade, um contrato de derivativo, o tomador tem que depositar uma margem de garantia na B3 antes de executá-la.
  • Em seguida, o investidor vende a ação que tomou emprestada no mercado à vista.
 

Já a desmontagem da estratégia requer as seguintes operações:

  • O tomador recompra ação no mercado à vista;
  • Em seguida, devolve a ação ao doador e os a margem de garantia é liberada.
 

O investidor que monta uma posição vendida espera que o preço que ele pagou na recompra da ação seja inferior ao preço que ele vendeu. Para que o investidor tenha lucro é preciso que o valor financeiro gerado pela diferença entre estes preços supere os juros pagos no empréstimo da ação e os demais custos.

E para que servem as posições vendidas?

A posição vendida é uma estratégia utilizada por investidores para capturar a queda de preço de uma ação. Ela possibilita:

  • Introdução da visão negativa sobre uma ação no seu processo de formação de preço – o investidor que tem uma posição vendida acredita que o preço daquela ação deve cair e, portanto, traz para o mercado uma visão diferente daqueles que estão comprados no papel. Um ativo cuja formação de preço permite considera a visão positiva está mais exposto a sobrevalorização e bolha, não justificadas pelos seus fundamentos.
  • Proteção contra eventos negativos para o mercado. O investidor que possui uma carteira de ações pode enfrentar perdas se houver um evento negativo. Uma maneira de reduzir sua perda é montar posições vendidas em ações para as quais ele não tenha uma visão positiva e não afetam as teses de investimentos de suas posições compradas.
  • Aumento da liquidez do mercado à vista, pois a implementação da estratégia requer operações neste mercado e permite maior atuação dos formadores de mercado – aqueles investidores que devem sempre prover ofertas de compra e de venda.
  • A construção de estratégias de investimentos do tipo long and short e event driven - se o gestor acha que uma empresa pertencente a um setor da economia irá melhor que as outras que atuam na mesma atividade, ele compra a primeira ação e fica vendido nas demais ações do setor, protegendo-se assim de possíveis eventos negativos do mercado ou do setor. Tais estratégias, em geral, tem pouca correlação o mercado de ações como um todo (baixo beta). Assim, podem elevar o perfil de risco/retorno de uma carteira ou de um fundo de investimento, beneficiando os investidores.
  • Mecanismo eficiente de tratamento de falha de entrega no mercado à vista na B3. Caso o vendedor não entregue uma ação que vendeu dois dias atrás, a B3 toma emprestado a ação, em nome do vendedor, e entrega ao comprador no momento esperado por este. Quanto mais robusto for o mercado de empréstimo, maior a eficiência do mecanismo de falha e, consequentemente, do mercado à vista.

E qual o impacto dessas operações no mercado?

  • Em muitos países, as posições vendidas são realizadas, de forma descentralizada, em corretoras fora do ambiente de bolsa. Assim, elas podem ser acumuladas pelos investidores sem nenhum limite lastreado na liquidez da ação, sem depósito de garantias e sem a participação de uma bolsa de valores que garanta a liquidação dessas operações. Nestes casos, essas posições podem pressionar os preços para baixo ou para cima com mais facilidade.
  • A pressão para cima sobre o preço da ação é conhecida como short squeeze. É a situação na qual o preço de uma ação sobe substancialmente porque o volume de recompra da ação pelos que precisam encerrar posições vendidas é relevante frente à sua liquidez. Um caso de short squeeze na Europa na crise de 2008 se tornou famoso. Em um único dia, o preço da ação da Volkswagen subiu de €209 para €912, como resultado de recompras para liquidação de empréstimo da ação. Neste dia, a Volkswagen se tornou a maior empresa do mundo em valor de mercado. Valor artificial, pois o preço caiu para €509 no dia seguinte. Em mais 10 dias, já estava de volta ao patamar de €200.  
  •  No Brasil, a estrutura de mercado para posições vendidas é bem diferente.
    • A regulação do Banco Central do Brasil e da CVM demandam que operações de empréstimo de ativos sejam realizadas em bolsa que garanta sua liquidação.
    • As operações são realizadas na B3 por intermédio de suas corretoras, inclusive o empréstimo de ativos. A centralização de todas as posições vendidas na B3 permite que o monitoramento e limites de posição sejam aplicados com eficiência para o mercado como um todo, para corretoras, grupos de investidores e investidores. A B3 determina os limites empregando diferentes medidas de liquidez de modo mitigar o risco da montagem e desmontagem de posições vendidas impactarem o preço da ação. 
    • A B3 garante as operações necessárias à implementação da estratégia. A B3 garante os pagamentos dos valores financeiros e a entrega das ações aos investidores envolvidas nas operações de montagem e desmontagem de posição vendida. Desta forma, o risco de crédito a que estes investidores ficam expostos é mínimo.

Essa condição é fruto de regras e controles desenhadas pelo Banco Central, CVM e B3 para mantê-lo hígido, inclusive em momentos extremos como este. No Brasil, por exemplo, existem limites para o tamanho de posições de investidores individuais, de grupos de investidores e do mercado como um todo.

Por isso, mudanças ou restrições na forma de negociação não alterariam o comportamento de preços das ações, que está sendo guiado pelo cenário econômico de crise mundial, mas poderiam ter impactos negativos no processo de formação de preço e na confiança dos investidores.