26/11/2020

Congresso 2020: Inteligência Artificial e transformação digital dão o tom do terceiro dia de palestras, que traz também o tema ASG


São Paulo, 26 de novembro de 2020 - “A inteligência artificial tem a tendência de criar poder de mercado e é essa a razão pela qual ela atrai tantos investimentos", afirma Ajay Agrawal, responsável pela área de empreendedorismo e inovação da Universidade de Toronto. Ele participou do terceiro dia de palestras do  Congresso Brasileiro de Mercado de Capitais, evento da ANBIMA (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) e da B3, nesta quarta-feira (25). O evento online e gratuito vai até sexta-feira (27).

Os economistas, segundo ele, abordam a tecnologia de uma maneira muito simples. Eles buscam entender como ela pode reduzir custos. Mas a IA (inteligência artificial) vai além: reduz o custo da previsão. Ou seja, usa uma informação que se tem na mão para gerar outra que ainda não se tem.

O poder da Inteligência Artificial (IA) está ligado aos benefícios de sua retroalimentação, o que Agrawal chamou de feedback loops. Ou seja, quanto mais dados são coletados e analisados, melhores ficam as predições, levando a um número maior de usuários, que, por sua vez, produzem dados que retroalimentarão o sistema, criando um ciclo virtuoso.

No entanto, há ressalvas: as máquinas reconhecem padrões, por isso têm dificuldade em lidar com fatos inesperados. “No caso da pandemia de Covid-19, que não se tinha dados prévios, a máquina teve um desempenho ruim, pois não está treinada”, explica.

Os modelos fazem previsões estatísticas e não têm como intuir determinados acontecimentos, a não ser utilizando dados passados para tentar prever o futuro. “Uma das coisas importantes a se ter em mente é que as máquinas são boas em determinar correlações, mas não são tão boas em entender casualidades”, acrescenta.

Questionado pelo moderador do painel Fernando Pires, sócio da Dynamo, acerca de recomendações às empresas que querem usar a inteligência artificial, Agrawal enfatizou a necessidade em saber o que a tecnologia pode e o que não pode fazer. “IAs não são mágicas, são estatísticas computacionais”, assinala.

Outro conselho é que os projetos devem ser liderados ou ter forte envolvimento do alto escalão das companhias. “A maior falha na implementação de IA é a falta de visão da alta direção. O CEO tem de apontar qual é o objetivo, aonde ele quer chegar com ela.” Ajay ressalta que é preciso saber a meta a ser alcançada, e não criar o modelo de IA apenas por ter determinados dados disponíveis.

Sobre à aplicação no segmento financeiro, Ajay, que também é fundador do Creative Destruction Lab, avalia que os profissionais cuja função é prever serão fortemente afetados. Ele explica que, apesar da IA não fazer previsões perfeitas, ela faz predições melhores que os seres humanos.

 

Transformação digital está só começando
O primeiro painel do dia discutiu o papel central que a digitalização e a comunicação assumiram em todas as indústrias. Nos últimos anos, o ecossistema de startups amadureceu e, em 2020, com a pandemia, milhares de empresas foram obrigadas a acelerar suas transformações digitais. Para Fabrício Bloisi, CEO do iFood e presidente do conselho do Grupo Movile, os próximos três anos serão ainda mais agressivos na jornada de digitalização das empresas no Brasil, com a oportunidade da chegada ao mercado – ou do crescimento – de mais companhias digitais e disruptivas.

No painel, moderado pelo diretor de Relacionamento com Clientes e Pessoa Física da B3, Felipe Paiva, e do qual participou também o CEO da XP, Guilherme Benchimol, o tema sobre a abertura de capital das companhias não ficou de fora. “Acreditamos que temos tamanho para isso, estamos capitalizando e fazendo vários investimentos, mas não é o momento agora. É uma conversa que temos no conselho e que pode ser reavaliada”, explica Bloisi. Mas ressalta o crescimento do iFood: “Em oito meses, avançamos dois anos em termos de penetração. Só em agosto foram mais de 45 milhões de pedidos na plataforma”, conta o empreendedor.

Muitas indústrias serão impactadas com o uso de tecnologias como a inteligência artificial, a exemplo dos setores de educação e saúde. Na próxima década, o digital deverá estar no centro dos negócios. “Há alguns anos, das dez principais empresas norte-americanas, apenas uma era de tecnologia. Hoje são cinco. Na China, ocorreu o mesmo. Espero um cenário parecido no Brasil. Em breve, não falaremos mais de unicórnios que valem US$ 1 bilhão, mas de empresas com valor de mercado de US$ 100 bilhões”, completa Bloisi.

O cenário macroeconômico também tornou o ambiente propicio para o surgimento de mais investidores e empreendedores. “A maior transformação que poderia acontecer no Brasil é a redução da taxa de juros. O país sempre foi rentista, com monopólios e oligopólios que não faziam o dinheiro circular. Hoje, as pessoas são obrigadas a pensar no longo prazo, a assumir riscos, a diversificar os investimentos e a empreender”, afirma Benchimol.

À frente de uma empresa com 2,6 milhões de clientes, Benchimol criou a XP há 19 anos com o objetivo de democratizar o acesso aos investimentos no país. Em um cenário de juros baixos, ele acredita que mais empreendedores emergirão com ideias inovadoras e disruptivas. “Sempre fomos um país instável e as pessoas buscavam estabilidade, tanto que o sonho dos brasileiros era ser concursado público. Mas isso não pode ser o sonho de uma nação inteira. Se antes a taxa de juros desestimulava a abertura de um negócio, hoje aflora o empreendedorismo”, diz.

Juros mais baixos também ampliam as fontes de financiamento das empresas, que passam a enxergar o mercado de capitais como uma alternativa cada vez mais acessível. Paiva lembrou que, nos últimos dez anos, foram feitas mais de 210 ofertas públicas na bolsa brasileira, com cerca de R$ 500 bilhões captados em IPOs (ofertas públicas iniciais de ações) e follow-ons. Este ano, o número de IPOs na bolsa será um dos mais altos já vistos, “além de termos alcançado a marca de 3 milhões de pessoas físicas na B3. Isso é só o começo da transformação”, opina.

A mentalidade dos brasileiros também começa a mudar. Benchimol afirma que 70% dos investimentos aqui estão atrelados ao CDI e a tendência é que parte desses recursos migre para ativos de risco nos próximos anos. “O yield [retorno sobre o investimento] na bolsa brasileira é de 2,5%, ou seja, o dividendo que a pessoa recebe ao comprar o Ibovespa é superior ao que ela ganha com o CDI”, diz.

Adoção dos fatores ASG começa a ganhar tração no Brasil
Os chamados fatores ASG (Ambiental, Social e Governança), ligados a boas práticas ambientais, sociais e de governança, não são uma novidade, pelo contrário. À medida que preocupações com o clima e com o combate à desigualdade ganham corpo, cresce a pressão para que o mundo corporativo acelere as mudanças em sua forma de atuar. Nunca se falou tanto em ASG como em 2020, ano marcado por pandemia e desastres ambientais associados ao aquecimento global.

Neste contexto, o mercado financeiro também vem sendo convocado a dar sua contribuição, destaca Carlos Takahashi, diretor da ANBIMA e CEO da BlackRock no Brasil, que participou de um painel com esse tema no Congresso. “O papel do mercado financeiro é fundamental para incentivar a adoção das práticas ASG. É uma jornada da qual todos precisamos participar e assumir compromissos com as mudanças”, comenta.

Ele lembrou compromissos da BlackRock reforçados com a tradicional carta do CEO e presidente do conselho, Larry Fink, que neste ano colocou o tema sustentabilidade como prioridade da empresa. Na agenda da BlackRock, destaca Takahashi, estão iniciativas para dar transversalidade ao assunto em todo o portfólio de gestão ativa, trabalhar junto com os provedores de índices para que eles também incorporem os fatores, deixar de investir em empresas de carvão vegetal e demandar, daquelas que ainda usam esta fonte de energia, um plano de transição para uma matriz limpa. “Queremos colaborar para que as empresas incorporem os fatores ASG em suas práticas e cuidem de temas importantes. Foi a forma que a BlackRock escolheu para sair do campo inspiracional e ir para a ação”, complementa.

Para Ana Buchaim, diretora de Pessoas, Marketing, Comunicação e Sustentabilidade da B3, que moderou o painel, o impacto dos fatores ASG nas companhias e nas dinâmicas do mercado de capitais é um tema exponencial. “Os investidores, além da sociedade, também estão atentos a isto. Empresas que adotam boas práticas passam a ter vantagens sobre seus competidores”, diz. Ela acrescenta que, quando comparado a outros países, o Brasil ainda está mais lento na adoção do ASG e precisa acelerar daqui em diante para não perder competitividade.

Um exemplo de como o uso desses fatores na estratégia das empresas dá resultado é uma captação da Suzano, no valor de US$ 750 milhões em sustainability-linked bonds (título de dívida sustentável), realizada em setembro. A remuneração paga ao investidor está associada ao cumprimento de indicadores de performance ambientais (KPIs). “Lançamos os bonds com uma taxa abaixo da nossa curva de juro e os investidores aceitaram pagar porque nos comprometemos com metas ligadas ao meio ambiente e, se não cumprirmos, terá uma penalidade. É um erro achar que investir em ASG é um custo. É gerar valor, atrair talentos, reduzir custo de capital”, comenta Walter Schalka, presidente da Suzano.

Questionado pela diretora da B3 sobre como medir se, de fato, uma empresa adota práticas sustentáveis e não usa isso apenas como discurso, Schalka pontuou a necessidade de que as companhias estabeleçam metas e deem transparência a elas. Ele cita algumas definidas pela Suzano para os próximos dez anos, como retirar 40 milhões de toneladas de carbono da natureza e outros 10 milhões de toneladas de plástico do meio ambiente. “Temos metas públicas de consumo de água, de utilização de aterros e todos os indicadores auditados por uma terceira parte”, diz.

Takahashi lembrou algumas iniciativas da ANBIMA, lideradas pelo Grupo Consultivo de Sustentabilidade, para colaborar na formação de um ambiente que estimule os gestores do mercado a adotaram o ASG. “Estamos focados em fazer um mapeamento, quantitativo e qualitativo, para saber quem está neste mercado e qual o mindset das gestoras sobre o assunto”, explica. “A ANBIMA, como uma associação representativa e com papel indutor relevante, pode trazer muitas contribuições”, conclui.

O presidente da Suzano acrescenta que todos os agentes, públicos e privados, precisam participar desta agenda com foco nas práticas ASG, lembrando que, em alguns casos, o regulador também tem de agir. E provocou a B3: “Eu falei com o Gilson [presidente da B3] que a bolsa tem de lançar a precificação de carbono, pois precisamos entrar no mercado regulado de carbono. Vai ser bom para o Brasil e pode trazer US$ 10 bilhões por ano para preservação da Amazônia”, afirma.

Programação de hoje
Este quarto dia do Congresso trará início com a discussão sobre o impacto dos HFTs ou robôs de alta frequência no processo de formação de preço, volatilidade e liquidez do mercado.

O segundo painel vai abordar os limites tênues entre recomendação, opinião e oferta e o papel dos influenciadores digitais X os profissionais do mercado de capitais. O último painel do dia vai trazer um debate sobre a chegada de novas empresas ao mercado de ações.

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